sexta-feira, 21 de maio de 2010

High definition mental: use o seu!

Não sei se você já teve a oportunidade de assistir alguma coisa em UHDT (Ultra High Definition Television) o sistema de tevê em alta definição, que está sendo implantado no Brasil. Se já, percebeu que num primeiro momento não dá aquele impacto de descoberta do fogo que o governo gostaria, quando anunciou a novidade. Mas realmente se nota uma maior definição dos detalhes, para desespero de quem ainda não fez plástica para aparecer na televisão.
Chegando perto, você pode notar coisas que nem a poderosa maquiagem consegue esconder: sinais do tempo, pequenas manchinhas, rugas, cor real dos dentes, essas coisas que os mortais costumam ter. O fato é que a alta definição consegue mostrar aquilo que todo mundo quer esconder: a verdade.
Fiquei pensando em como seria legal se a gente instalasse um sistema HD em nossa mente. Não para ver as coisas externas, os detalhes estéticos, mas a verdade sobre o que realmente querem nos dizer com todas as informações que uma novela passa. Seria no mínimo interessante.
Entra novela e sai novela e as temáticas não mudam muito: dinheiro, sexo, poder, trapaças, traições, distorções de valores e um pouco de humor caricato, que ninguém é de ferro. Mas quando eu ligo meu HD mental, posso ver um pouco mais sobre o que está por trás disso.
Quando a personagem trai o marido com rapazes mais jovens de maneira muito natural, meu HD mental me diz que a sociedade de massa, quando receber essa mensagem não vai decodificá-la como deveria. Vai assistir, vai achar normal, porque já está anestesiada, vai incorporar ao seu próprio comportamento e a vida vai seguir cada vez mais torta.
Quando os protagonistas são bonitos, intensos, perspicazes e conseguem imprimir um pouco de vida na rotina de seus telespectadores que só fazem trabalhar, eles podem até não ter o melhor caráter e o comportamento mais adequado, mas no final, lá no fundo, todo mundo acaba quase que torcendo por eles.
Se você acha que eu estou exagerando, perceba as entrevistas de artistas quando estão protagonizando papeis polêmicos. Geralmente, se são vilões, chegam a ser agredidos na rua. Foi o caso do ator Jackson Antunes, quando viveu o papel de Leonardo na novela “A Favorita”. Por causa das maldades de seu personagem, Jackson, que já sofre de problemas de saúde relacionados a uma trombose na perna, foi parar no hospital e quase teve um agravamento do quadro. E por que isso acontece? Porque as pessoas não sabem mais diferenciar o real do imaginário. Simples assim.
As novelas fazem as pessoas acreditarem em uma vida melhor sem esforço, onde trabalho duro não leva a nada, onde marido bom é marido bonito, onde boa esposa é a do vizinho, onde as coisas se resolvem por acaso. Aí a dona de casa, cansada de um dia cheio de fogão-tanque-pia olha pro maridão sentado atrás do jornal, que já não tem mais a barriguinha do Cauã Reymond e o sorriso do Rodrigo Lombardi e pensa: o que é que eu estou fazendo aqui?
Assim como muitos homens, que também são noveleiros, olham para as belas atrizes que vivem da imagem e para a imagem e então olham para suas esposas, que vivem para a casa, o trabalho e os filhos e procuram o botão ejetor do sofá. Pequenas crises são sutilmente instaladas nos lares, porque os cônjuges não conseguem mais superar as altas expectativas que as novelas incutem em suas mentes, sobre como deveriam ser os relacionamentos.
Então os autores das novelas dão entrevistas sobre como é “bacana” poder usar o horário nobre para causas sociais, para abrir espaços de discussão e por aí vai. Mas qual é o ônus dessa tão importante oportunidade? É como dar um presente envolvido em muitas caixas vazias, até que lá no fundo se encontre uma pequena caixa com o conteúdo, que nem sempre é tão genuíno quanto parece. Depende do quão bem seu HD mental está funcionando.
A discussão sobre quem influencia quem, se a televisão mostra o que o povo quer ou o povo quer porque a televisão mostra é multifacetada e eterna. Mas uma coisa é certa: quanto menos qualidade se apresenta na telinha, para garantir audiência, mais decadência moral se instala sorrateiramente na vida da família brasileira.
Nosso sistema de High Definition mental é muito mais poderoso do que este que a tecnologia desenvolveu para melhorar a qualidade de imagem. Basta um pouquinho de vontade de querer usá-lo e, a princípio, pode ser até assustador enxergar tão claramente coisas sobre as quais antes só se tinha uma vaga ideia. Mas com certeza vale à pena tentar.

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