quinta-feira, 31 de março de 2011

O grande Deus das pequenas coisas




Há pessoas que acreditam que Deus não intervém nas pequenas coisas do homem e nem que se revela através da prática religiosa. Acreditam que Deus pode ser encontrado somente através da razão. São os deístas. Há também quem acredite que Deus se manifesta apenas nas grandes oportunidades, nos milagres populares, como a cura e o livramento da morte. São os da turma de Tomé, que precisava ver para crer.
Sempre imaginei Deus como um ser coletivo, que se manifesta de maneira coletiva e que se dá a conhecer através da pluralidade. Sei que Ele é um Deus pessoal e que se preocupa com as mínimas coisas, porque em minha vida há uma imensidão de pequenas coisas feitas por Deus, escondidas entre aquelas que são maiores. Mas, por algum motivo, por algum tempo, imaginei Deus como alguém muito ocupado. Talvez ocupado demais para mim. Então passei a pedir a Deus que me fizesse voltar a entender o quanto Ele é meu Pai, mesmo tendo tantos filhos, tão amados quanto eu sou. Não pedi exemplos ou demonstrações. Pedi apenas a sensação. Pedi apenas que Ele me dissesse, de alguma maneira audível, o quanto isso é um fato, uma realidade. Sei que não preciso dizer a Deus como fazer as coisas, então apenas pedi e esperei.
Durante a espera, que não foi longa, mas muito dolorosa, como muitas outras são, aconteceram várias coisas difíceis de lidar, querendo me mostrar o contrário daquilo que estava pedindo – "Deus está muito ocupado" – voltei a pensar. E o sentimento de querer reduzir Deus, que é tão grande e poderoso a uma característica tão humana, que é o excesso de trabalho é ainda pior do que senti-Lo distante. "Deus nunca está ocupado demais para você": racionalizei dias a fio.
Em meio à minha espera, didática e reveladora, um dia, assim, como em outro qualquer, eu senti que Deus estava agindo particularmente em minha vida, permitindo as coisas que não são tão boas, para que eu saiba que Ele espera mais de mim do que tenho oferecido. Deus é aquele Pai que se senta com seu pequeno filho para desenhar e que mesmo tentado a pegar na frágil mãozinha e terminar de uma vez os traços sofríveis, para que alguma beleza apareça, enfim, no papel, apenas observa. Se o filho pedir, Ele vai intervir e ajudar, mas jamais completará o desenho do filho, porque Deus deseja ardentemente que ele seja capaz de fazer isso sozinho e finalmente, aprenda.
Então, quando, depois de dias e dias refletindo, cheguei a esta conclusão, Deus achou que era a hora de exemplificar. Porque o processo educativo é reflexivo, mas também é prático. Tenho tendinite no braço direito. Às vezes ela aparece para me mostrar os efeitos de uma profissão que faz uma pessoa ficar sentada em frente ao computador, oito horas por dia, cinco dias por semana. Moro na cidade de São Paulo, onde o Sistema Único de Saúde é caótico e não tenho plano de saúde. Da última vez que tive tendinite há anos, estava no Rio Grande do Sul onde meu plano de saúde funciona. Fui atendida, medicada e ganhei alguns dias de descanso, porque a melhor solução para a tendinite é interromper o esforço repetitivo.
Quando a crise começou, há alguns dias, fiquei bastante preocupada, porque sem um atestado médico, eu não poderia parar de digitar, que é basicamente o que faço o dia inteiro. A dor foi aumentando. Uma bola surgiu no músculo, logo atrás do ombro. Não acho posição para dormir. Os dedos no teclado fazem a bola quase querer quicar. Cheguei a pensar no absurdo de ir a um hospital público. Quem conhece São Paulo sabe por que isso seria um absurdo. Mas a confiança adquirida nos dias de provação me fez acreditar que alguma solução inesperada surgiria. E ela surgiu.
O departamento de Recursos Humanos da empresa onde trabalho me chamou para dizer que descobriram em meus registros, nove dias de férias pendentes, a serem tirados imediatamente. Esses dias são referentes ao ano de 2009. E eles descobriram apenas agora, justamente no momento em que eu mais precisava. Tentei não esboçar nenhuma reação anormal, mas minha vontade era de chorar. Chorar de emoção, como a criança que recebe o seu primeiro diploma. Enfim, se completa um ciclo de aprendizagem.
Por esta e por inúmeras experiências sei que Deus é pessoal. Sei que Ele se preocupa com coisas que nem eu mesma dou a devida importância. Sei também, que possivelmente, esta não será a última vez que precisarei que Ele me lembre disto. Mas me sinto feliz e aliviada, por saber que mesmo em um mundo tão populoso, tão cheio de catástrofes, onde pessoas sofrem tragédias pessoais ou coletivas a todo instante, Deus tem tempo para minha tendinite. Empiricamente (mesmo que não fosse necessário) eu sei que Ele é o grande Deus das pequenas coisas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Apaixonadamente

Há muitas maneiras de ser militante do feminismo. Se você encara o feminismo como um movimento que luta pelos direitos das mulheres, então você é uma pessoa equilibrada e merece assistir a este vídeo. Se por outro lado, você é daquelas pessoas que se tornou feminista para combater o machismo e acabou se tornando pior do que os militantes daquele, você precisa ver este vídeo. É longo, mas cada palavra vale à pena. (Bem embaixo dele, em view subtitles, você pode escolher a legenda em português).


quarta-feira, 16 de março de 2011

A fidelidade é a chave e não a fechadura

Procurando algo interessante para assistir na televisão, me deparei com uma entrevista feita pela apresentadora Marília Gabriela em seu programa homônimo no canal GNT. A entrevistada era uma psicanalista cujo nome me recuso a citar, pelo simples fato de que as ideias dela não merecem publicidade.
Ela estava lá falando sobre relacionamentos e segundo ela, o problema do casamento é a ilusão do amor romântico. Até aí posso concordar. Muitos casamentos não dão certo porque as pessoas entram neles com uma elevada expectativa de que a paixão será contínua e em grande parte, a rotina demonstra outra realidade. Mas o que me chocou é que ela prosseguiu dizendo que a exclusividade dentro do casamento é uma ilusão e que se a pessoa amada preenche suas necessidades enquanto está com você, o que ela faz depois disto é problema dela e não seu.
Além de chocada fiquei revoltada, porque uma criatura destas consegue vender suas ideias, em um mundo de pessoas cada vez mais perdidas em seus relacionamentos e formas de encarar a vida. Vivemos no século da relatividade. Os valores que servem para mim, não são os mesmos que servem para esta psicanalista. Mas afirmar com propriedade que os casamentos funcionariam melhor se as pessoas não exigissem exclusividade, com certeza, está entre as piores coisas que já ouvi.
E isso não é uma grande mentira apenas porque o casamento é um plano de Deus e por isso não pode ser relativizado e enquadrado em uma mentalidade tão deturpada. É mentira também, porque nenhum relacionamento que pressuponha respeito como qualidade indispensável para fluir com estabilidade pode admitir a infidelidade. A traição não é simplesmente a abertura do relacionamento para a entrada de outras pessoas. Ela é uma ferida aberta no vínculo de amizade entre o casal. E quando aberta ela sangra por muito tempo ou talvez, nem mesmo chegue a cicatrizar.
Eu desejei estar sentada na cadeira da Gabi por um minuto. Gostaria de olhar nos olhos daquela mulher e pedir para que ela dissesse isso a alguém cuja família foi destruída por um ato impensado ou mesmo por alguém que usou a sua liberdade de maneira irresponsável. Gostaria que ela dissesse isso a uma criança que viu a mãe ser morta por em um ato violento motivado pelo ciúme ou que teve que dizer adeus ao pai que a colocava na cama à noite para dormir. Gostaria que ela fosse capaz de explicar a sua “brilhante” teoria a alguém que mostrou o melhor de si para outra pessoa e que, por causa de uma traição, sentiu que tudo o que tinha não era bom o suficiente para o ser amado.
O casamento não é uma instituição falida. A família sempre será a célula mais importante da sociedade. E a sociedade está se destruindo justamente porque não percebe a gravidade disto. Um pensamento como este que a psicanalista incute através de seus livros e entrevistas é uma poeira tóxica pairando sobre nossas cabeças. A ideia de que o casamento só poderá ser realmente feliz quando ambos fizerem o que quiserem quando não estiverem juntos é uma das maiores mentiras que se pode pregar irresponsavelmente por aí.
Duas pessoas que incluem em sua suposição de amor a cláusula da não exclusividade, jamais experimentarão a verdadeira liberdade que só pode acontecer quando a mente e o coração, em sintonia, escolhem o que é melhor para ambos. Liberdade é poder escolher conscientemente dedicar-se inteiramente a uma pessoa, mesmo tendo a opção de sair com outras. A utopia do relacionamento aberto nada mais é do que uma prisão, porque a pessoa só consegue se relacionar sendo infiel e desleal, da mesma forma que o viciado só encontra prazer na fissura da droga.
Ora, sejamos práticos. Se uma pessoa quer viver pulando de galho em galho, ela tem toda a liberdade do mundo para ficar solteira. Salvo raríssimas exceções, ninguém casa com uma arma apontada para a cabeça. Cada pessoa é livre para escolher viver só e sair com quantas pessoas quiser ou casar e fazer apenas uma pessoa feliz. Certamente é um desafio muito maior e exige muito esforço. O casamento não é autorrealizável. Ele exige dedicação e abnegação, mas a recompensa também é muito maior para quem faz esta opção.
A parte triunfal da entrevista para mim, e que desqualifica qualquer afirmação absurda dada pela entrevistada foi quando a Gabi perguntou a ela: você é casada? E ela respondeu: sim, pela terceira vez. Ou seja: se não funcionou para ela, vai funcionar para quem adquire os livros ou assimila as ideias dela? Não, não vai. Felizmente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Uma nova revolução feminina

Atenção mulheres! Está na hora de descer do salto. Não, não estou falando sobre problemas ortopédicos ocasionados pelo uso exagerado de salto alto. Estou mesmo usando o sentido figurado e fazendo uma convocação extraordinária. Um estudo realizado pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na região metropolitana de São Paulo apontou que embora a participação das mulheres no mercado de trabalho tenha crescido na última década, com grau de instrução superior ao dos homens, os salários delas continuam sendo menores.
Segundo a pesquisa, as mulheres ganham 75,7% do valor pago aos homens para o desempenho das mesmas funções. Ou seja, é para ficar bege, rosa chiclete e roxa de raiva, sim. Na prática, isto significa que mesmo saindo de madrugada e voltando à noite para casa, a fim de não perder seu espaço no mercado de trabalho, você continua recebendo menos do que os homens que fazem o mesmo percurso, porém, em sua maioria, sem precisar iniciar uma nova jornada ao chegarem em casa.
Sei que já falamos disto aqui. Mas uma coisa é ver que isso acontece com você, sua vizinha, sua prima e uma amiga da sua diarista. Outra coisa é um estudo apontar os vergonhosos números de um estudo feito na quinta maior cidade do mundo, onde se vê mulheres trabalhando em absolutamente todos os setores da geração de renda do País.
A esta altura, a pergunta que não quer calar é: por quê? Por que estamos sofrendo essa injustiça, se a ciência tem comprovado que nossa presença na cadeia produtiva é tão boa quanto, ou melhor que a dos homens? E isto não é mera suposição, como estão pensando aqueles que quase posso ver torcendo o nariz.
No primeiro semestre do ano passado, a Universidade de Duke, nos Estados Unidos, divulgou o resultado de uma pesquisa realizada com grupos de estudantes em que as mulheres se destacaram como melhores líderes nas atividades propostas. Recentemente, pesquisadores do MIT (Massachussetts Institute of Technology) e da Carnegie Mellon University concluíram, através de um estudo, que os grupos com maior número de mulheres têm mais inteligência coletiva (termo usado pelas duas instituições para definir o desempenho coletivo na realização de uma tarefa).
Para reforçar a tese, podemos utilizar também a opinião de Karen Pine, professora de Psicologia da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, que lançou no final do ano passado, um livro chamado Sheconomics, que pode ser traduzido livremente como “ela e a economia”. De acordo com Pine, existem provas concretas da forte relação entre o sucesso financeiro das empresas e a presença de um número significativo de mulheres nos cargos mais altos.
O estudo do Seade/Dieese concluiu também que nos cargos com nível superior completo, a diferença de remuneração entre homens e mulheres é ainda maior: elas recebem 63,8% do valor pago a eles para as mesmas funções, menos que em 2000, quando esse percentual era de 65,2%. Isso mostra que precisamos, no mínimo, tomar uma providência urgente, antes de começarmos a pagar para engraxar as botas de nossos colegas de trabalho.
Este tipo de estatística só me faz acreditar realmente na velha história de que “Amélia é que era mulher de verdade”. Porque se temos que sair de casa para nos desgastar em empregos que nos cobram mais do que a eles, a fim de provarmos que merecemos estar lá e não vamos ganhar um valor justo por isso, temos que considerar a possibilidade de simplesmente desistir. Temos, rapidamente, de repensar os motivos que nos levam a buscar satisfação profissional. Temos que levantar urgentemente uma bandeira em prol de uma nova igualdade, que contemple direitos reais e não apenas o livre acesso ao mercado de trabalho.
Uma constatação destas me dá a impressão de que estamos sendo enganadas e continuamos acenando e sorrindo. Se a revolução para nos tornarmos iguais a eles nos trouxe tanto benefícios quanto prejuízos, possivelmente esteja na hora de uma nova revolução. Não uma revolução de armas e fogueiras, mas uma revolução de ideias, porque neste campo, o percentual é definitivamente favorável a nós.