segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Reencontros reflexivos



Uma das coisas mais discrepantes que vejo na atualidade é as pessoas criticando, nas redes sociais, quem usa demais as redes sociais! Coisas de um tempo em que todo mundo tem algo a dizer sobre tudo. O silêncio se torna cada dia mais, artigo de luxo. Mas enfim, o que eu acho mais interessante nas redes sociais não é encontrar pessoas para conversar. Isso, de fato, é bem mais interessante pessoalmente. O grande barato das redes sociais é reencontrar pessoas.
Sabe, encontrar alguém que fez parte da história da gente e ver como essa pessoa está hoje é um tremendo exercício de pensamento. Pensamento sobre a vida, sobre as circunstâncias, sobre as escolhas, sobre os rumos que cada um pode tomar. Passados 10, 15, 20 anos, as pessoas mudam muito! Não só fisicamente, embora essa parte também seja interessante, porque algumas pessoas permanecem do mesmo jeito e outras, acabam ficando totalmente diferentes. Mas principalmente, ver o que as pessoas fizeram da vida. Isso é realmente revigorante. A palavra “reencontrar”, inclusive, deveria ter seu significado ampliado no dicionário, após a explosão das redes sociais.
Eu, por exemplo, posso citar vários casos desse “reencontro reflexivo”. Um dos meus colegas de ensino fundamental, outro dia me “reencontrou” e disse que eu fiquei bonita. Para a pessoa que eu sou hoje, não significou muita coisa, já que aprendi a conviver pacificamente com quem sou do lado de fora. Mas para a garotinha de 10 anos que eu fui, que se achava a criança mais feia da escola, fez um bem enorme. Ela, com certeza, economizou um bom dinheiro em terapia!
Também reencontrei um colega do ensino médio. E as fotos dele contam uma história muito incrível sobre o que ele fez da vida. Fala várias línguas, visitou vários continentes, estudou bastante, conhece muitas pessoas e lugares interessantes. Encheu a bagagem dele de cultura, conhecimento e aventuras. Nossa, que máximo! Quem poderia imaginar isso há 14 anos?
Nós, as meninas, em grande parte, estudamos, casamos, tivemos filhos, separamos, outras casaram de novo, outras ainda vão casar. Mas as realizações permeiam bem mais a questão familiar. E isso não é menos interessante, porque ter filhos também é uma aventura indescritível, uma descoberta sem fim, uma conquista preciosa.
De qualquer forma é muito válido pensar sobre quem nos tornamos depois que nos despedimos daquelas pessoas do passado. Para onde fomos? Que tipo de escolhas fizemos? O que acumulamos em nossa bagagem, através do tempo? Gostaria de dizer que sou uma pessoa bem melhor, mas isso nem sempre é verdade. Então isso me leva a outros questionamentos: como estarei daqui a 20 anos? Como as pessoas de hoje se lembrarão de mim? O que preciso fazer para que daqui a 20 anos, eu possa olhar para trás e dizer que, de fato, me tornei uma pessoa melhor?
As redes sociais me fazem viajar no tempo e de vez em quando, voltar para a sala de aula e ver cada um daqueles rostos que conheci. Fico pensando sobre o que fizeram da vida, se são felizes, se estão realizados com as conquistas que tiveram. É quase como um jogo da verdade virtual, só que a garrafa nunca para de girar, porque assim é a vida: uma aventura alucinante entre o nascimento e a morte.
Proponho a você o mesmo desafio: pense nas pessoas que conheceu. Pense na pessoa que você era e na pessoa que se tornou. Se o resultado for positivo, ótimo! Continue nesse caminho e quando abrir o seu amarelado álbum de formatura, você vai sorrir e se orgulhar por ter chegado aonde chegou com integridade, mesmo que não tenha acumulado bens ou atendido a todas as convenções sociais sobre o que é felicidade. Mas se você achar que com o tempo as coisas não ficaram melhores, então esse é um bom momento para começar a construir uma nova história.
Não podemos fazer nada sobre as escolhas que foram feitas no passado. Mas olhar para trás nos faz perceber que cada escolha, por menor que seja, tem uma consequência para o futuro. E que aquele futuro que não chegava nunca antes de fazermos 18 anos, um dia chega mais rápido do que poderíamos imaginar. Então, o dia para fazermos escolhas melhores e tomarmos decisões mais acertadas é hoje. A garrafa está continuamente girando e a qualquer momento, o gargalo pode apontar para você! 

domingo, 23 de setembro de 2012

Três da Manhã (Crônica)


Ela entrou pela porta dos fundos. Tinha a impressão de que se fizesse pouco barulho poderia entrar e sair sem ser vista, afinal eram três da manhã. Um pé após outro, cautelosamente adentrou à sala, mas era desnecessário desanunciar-se. Ele estava acordado.
- Desculpe, achei que você estivesse dormindo.
- Você poderia vir de manhã, depois que eu já tivesse saído, se não quisesse mesmo me encontrar.
- Eu sei. Mas estou mesmo precisando de algumas das minhas coisas.
- Eu não quis ser rude. Quis dizer que tudo bem você vir aqui e eu estar acordado.
- Eu sei.
Como dois estranhos que se cruzam em uma prateleira de supermercado e disputam algo trivial, como um pacote de biscoitos. Foi assim que eles se sentiram durante aquela conversa incômoda, às três da manhã. Quantas vezes em sete anos estiveram acordados até as três da manhã, porque tinham assunto demais e tempo de menos! E agora precisavam procurar as palavras certas, para garantir que de fato, pudessem trocar pelo menos duas ou três frases inteiras.
Enquanto subia para o quarto com a mala vazia, ela se lembrou das vezes em que ele esperava por ela ao pé da escada, sempre que iam sair e do olhar de espanto que ele fazia, fosse qual fosse a roupa que ela vestisse. Todas as vezes era como se ele estivesse olhando para ela pela primeira vez. Mas depois de alguns anos, ela teve a impressão de que ele fazia isso pela mera obrigação de ser um bom marido e deixou de usar belos vestidos, só para ter certeza de que era automático. E ele deixou de chamá-la para sair porque achou que ela não gostasse mais da companhia dele, já que não fazia questão de se vestir como se estivesse indo para um encontro.
E por acharem demais e conversarem de menos, de repente se tornaram dois desconhecidos tendo um diálogo gélido, às três da manhã, na mesma sala em que antes traçavam os planos de férias e a reforma do banheiro, ao som de Nina Simone. Mas ele estava mais triste, pelo simples fato de que por ele, tudo bem se ela não quisesse mais se arrumar para sair ou se preferisse ficar em casa. Desde que ela estivesse ali, ele poderia se acostumar com algo que não fosse igual ao dia em que saíram da igreja casados. Só que para ela, meio amor já não servia mais.
- Consegui alguém para buscar o resto das coisas, mas ele só pode na semana que vem, pode ser?
- Pode. Mas você sabe o que eu penso sobre isso. É ridículo que você saia da casa. Se vamos mesmo fazer isto, é você quem deveria ficar.
- Não, não me sinto no direito. Você desenhou cada canto desta casa com tanto carinho, que seria maldade da minha parte tirar você daqui.
- É, mas eu desenhei ela para você, para nós. Sem a gente aqui, ela vai ser só mais um dos meus projetos.
- Nós já falamos tanto sobre isso, não sei por que você ainda insiste.
- É porque ontem eu assisti aquele filme que você me pediu tantas vezes para ver e eu fui deixando...
- Qual deles?
- Like Crazy.
- Sei...
- E aí a Ana escreveu algo para o Jacob, no livro do amor, que mexeu comigo.
- E o que foi?
- Ela escreveu: “Quando Jacob se for, com que olhos vou comparar a luz do sol, ao amanhecer?”. E eu me dei conta de que quando você não estiver mais aqui, muitas das coisas que eu considero sublimes perderão todo o sentido. E eu não vou saber o que fazer com elas.
- Eu sinto muito, de verdade. Eu sinto muito por você ter visto isso tão tarde. E eu sinto muito porque nós éramos um projeto muito promissor. E eu sinto mesmo, muito, porque nada do que você diga, agora, vai me fazer querer ficar.
- Eu sei. Mas eu queria que você soubesse...
Quando ela fechou a porta atrás de si ficou pensando em como alguém que ela havia amado tanto, com tanta intensidade, poderia agora ser um completo estranho e em como ela poderia desejar tanto estar em outro lugar, se tudo o que ela quis por tantos anos foi estar exatamente ali, como se não existisse outro lugar no mundo. E quando ela fechou a porta, tudo o que ele conseguiu pensar foi em como conseguiu ficar todo tempo ao lado daquela mulher, sem saber que a amava tanto. E dificilmente depois disto vai haver no mundo uma mulher que se sentiu tão livre e um homem que se sentiu tão triste, exatamente às três da manhã.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Não, beleza não é fundamental


Quando Vinícius de Moraes escreveu a famosa frase “que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”, certamente devia estar apenas poetizando. De fato a frase é boa de marketing. Possivelmente era apenas retórica, já que o considero inteligente demais para ter pensado assim. Afinal, beleza só é fundamental mesmo em concurso de beleza. No mais, fundamental é caráter, que não dá para disfarçar com corretivo e pó-de-arroz.
A
indústria cosmética é uma das que mais crescem no mundo. Investe-se milhões em tecnologia para descobrir novas maneiras de tornar as pessoas mais bonitas por fora. O Brasil é o terceiro maior mercado mundial de cosméticos, perfumes e higiene pessoal, atrás apenas dos Estados Unidos e Japão e à frente de países europeus como França, Alemanha e Reino Unido.

E
m 2003, a Avon encomendou uma pesquisa, com 21 mil mulheres em 24 países, constatando alguns resultados surpreendentes. Por exemplo, que para 90% das brasileiras, os cosméticos são uma necessidade e não um luxo. Esse número chega a 67% nos Estados Unidos e a 73% em média na Europa. Quase 90% das brasileiras responderam também, que a aparência é importante para definir o que são. A questão ignorada é que sim, é possível pagar por um novo nariz, lábios mais volumosos, cabelos mais lisos, seios maiores e até por uma cintura mais fina, mas não há dinheiro no mundo que compre um caráter sem manchas.

E
ntão preciso correr o risco de discordar do Vinícius e dizer: não, beleza não é fundamental. Ou pelo menos, não deveria ser. Não deveríamos relegar à beleza a tarefa de escolher cônjuges, amigos, funcionários. Deveríamos escolher as pessoas de nosso convívio com base naquilo que não se pode ver de imediato. Porque beleza acaba. Nem a mais bela mulher do mundo será eternamente assim. Já as qualidades que não se pode perceber exteriormente, essas acompanham a pessoa além da própria existência.
Obviamente é mais rápido e fácil fazer escolhas com base na beleza. É por isso que ela se tornou tão fundamental. Construir um caráter dá muito mais trabalho do que “dar um tapa no visual”. Um caráter nobre se constrói desde a infância, com palavras e principalmente com ações. Porque de nada adianta dizer para seu filho que é feio mentir, mas mandar dizer que não está quando alguém vem à sua porta pedir comida.
N
ão é errado querer ser bonita e estar sempre apresentável. É até uma qualidade. Porque apesar de não ser fundamental, a beleza é cativante. O problema é quando cultivamos a beleza apenas, em detrimento de todas as demais qualidades. O erro ocorre, quando trabalhamos tanto na embalagem que esquecemos completamente o conteúdo.

M
ulheres belas de verdade têm mais a oferecer ao mundo do que apenas o rosto impecável e o corpo esbelto. As muito bonitas contribuem na decoração, com certeza. Mas não dá para mover o mundo em cima de um salto 15. Então, se ficar na dúvida entre investir na sua beleza ou no seu caráter e não puder mesmo conciliar os dois, escolha de olhos fechados a segunda opção. Porque um dia vai faltar espaço para as rugas do lado de fora, mas sempre haverá espaço suficiente para novos valores do lado de dentro.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Maternidade: privilégios e responsabilidades


No final do mês de dezembro do ano passado vivi a experiência mais extraordinária da minha vida. Dei à luz minha pequena Martina, tão ansiosamente aguardada não só por mim, mas por toda a família e amigos. Provavelmente, tudo o que poderia ser escrito sobre a experiência da maternidade já foi e por isso, voltar ao assunto me leva, inevitavelmente, aos clichês. Mas até mesmo estes são aceitáveis quando se trata de um tema tão grandioso.
Como mulheres, vivemos algumas experiências difíceis, que para nós são ainda mais duras pela essência da nossa personalidade, mais sensível, mais humana, mais facilmente abalável. Esvaziar as gavetas do marido que foi embora, arrumar o quarto do filho que partiu, pentear os cabelos de uma mãe senil ou enfeitar o túmulo de um ente querido que se foi. Tudo isso é intenso demais para as mulheres, que guardam em si toda a delicadeza que pode haver no mundo. E talvez por isso, nos foi dada também a oportunidade de gerar a vida, pois não pode existir nada mais intenso do que isso.
Quando a pediatra me mostrou a Martina e colocou o rostinho dela perto do meu, tantas coisas passaram pela minha cabeça que eu não poderia descrevê-las sem extrapolar meu espaço. Mas de uma delas eu lembro vividamente. Foi o pensamento: “nunca mais estarei sozinha”. Não importa o que aconteça no futuro, ou quão difícil seja o caminho ou mesmo quantas alegrias eu ainda vá sentir. Aquele momento será apenas meu para sempre e é a certeza de que o sentimento de solidão pode até chegar, mas não fará morada, pois terei para sempre um pedaço de mim circulando fora do meu corpo.
É por isso que se tornou ainda mais difícil entender como as pessoas podem jogar seus filhos fora ou abandoná-los, seja da maneira que for. Na semana em que a Martina nasceu, um bebê recém-nascido foi lançado da janela de um carro em movimento. Apesar dos ferimentos ele não morreu. E ter essa preciosidade em meus braços me fez refletir seriamente em como aquela mãe teve coragem, ou covardia, para fazer aquilo. É mesmo um mistério, que a psicologia até explica, mas nunca vai conseguir justificar.
Junto com este privilégio elevado de gerar a vida, nos é também concedida uma enorme responsabilidade. Apenas ter os filhos, como se fôssemos máquinas de reprodução, é uma atitude cruel e insana. Mesmo os filhos não planejados devem ser amados, educados e motivados a serem bons cidadãos e excelentes seres humanos, pois esta é a única maneira de pensar uma sociedade que seja melhor do que esta. A violência a que estamos expostos a cada dia, nada mais é do que uma terrível combinação de fatores: negligência governamental, famílias desestruturadas e falta de limites na educação.
Eu desejo a todas as mulheres que tenham esta experiência transformadora em suas vidas e acima de tudo, que assumam a grandiosa responsabilidade que a acompanha. A recompensa imediata é um sorriso sem dentes que achamos a coisa mais maravilhosa do mundo, mas os resultados em longo prazo, só a eternidade revelará.