Este
blog tem mais ou menos três anos de existência e nunca me senti tão estarrecida
diante de uma página em branco, como desta vez. Não é que me faltem palavras, é
que elas estão saindo dolorosamente. Talvez pela primeira vez em quase dez anos
de jornalismo, sinto dor ao escrever e por isso acho difícil saber por onde
começar.
Estava
viajando quando a turista norte-americana foi estuprada por três homens em uma
van, no Rio de Janeiro. Você deve ter ouvido bastante essa história e deve ter
acompanhado a todos os noticiários e a repercussão internacional, mas eu estava
em um lugar onde não havia internet, sinal de celular e onde não me interessava
ligar a televisão. Então descobri tardiamente essa atrocidade. E quando voltei
a assistir telejornais, eles simplesmente não falavam mais sobre isso. O
assunto se perdeu na onda gigantesca de protestos que cobriu o País nos últimos
dias.
E
o jornalismo é assim mesmo, rápido, factual, efêmero. Mas para mim,
como mulher, como mãe, como cidadã, essa notícia não passou e não passará
nunca. Já chorei por essa moça muitas vezes e já pedi a Deus que encontre um
meio de livrá-la dessa dor. Não sei qual será, mas sei que Ele pode fazê-lo.
De
qualquer forma, continuo afirmando que esse assunto não deve ser esquecido.
Precisa ter uma bandeira em todos esses protestos que estamos acompanhando em
tempo real, que lembre a tragédia dessa moça e do seu namorado, que também foi
uma vítima de abuso, de certa forma,
além de violência e roubo. Não podemos esquecer, não podemos deixar
passar. Não podemos simplesmente seguir a vida como se em algum lugar do mundo
não houvesse uma moça que foi estuprada oito vezes por três monstros diante do
namorado imobilizado, aqui no Brasil. E isto aconteceu na “cidade maravilhosa”,
sede das próximas Olimpíadas e uma das cidades-sede da Copa do Mundo. Não temos
o direito de esquecer isso, jamais.
A
sociedade pós-moderna se considera altamente evoluída, puramente racional. Mas
o que se vê cotidianamente é uma selva de homens cada vez mais primitivos. Uma
“involução” rápida e impossível de frear. Com tanta oferta de sexo pago ou
gratuito como se pode encontrar por aí, por que o número de vítimas de estupro
só aumenta? Não, os homens não estão evoluindo. Eles estão dando vasão a seus
instintos mais selvagens. Nunca na história do mundo, os homens foram tão
boçais quanto são agora.
Uma
notícia publicada pelo jornal O Globo, no dia 20 de janeiro deste ano destaca
que nos últimos cinco anos houve um aumento de 157% no número de registros de
estupros. Somente no Rio de Janeiro são 16 casos denunciados por dia. Aparecida
Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, na
mesma reportagem afirmou que “isso mostra o comportamento machista da nossa
sociedade, que autoriza que homens se apropriem do corpo da mulher. É como se o
homem não pudesse ouvir o não”. Bingo, Aparecida! Há homens, e infelizmente são
muitos, que não sabem ouvir “não”.
Nós
temos uma mulher na presidência e em grande parte das chefias mais importantes
do Brasil, inclusive no setor da segurança pública. E mesmo assim, pouco se tem
feito pela questão. É inaceitável que um País que se julga em pleno
desenvolvimento, ainda permita que suas cidadãs e até mesmo as turistas que o
visitam sejam tratadas como o parque de diversões da bandidagem. Quando é que
isso vai acabar?
A
notícia me deixou chocada em tantos níveis, que fica difícil conseguir explicar
o tamanho da indignação. Fiquei envergonhada de viver em um País que se
considera rico o suficiente para construir ou reformar estádios que serão
eternos elefantes brancos, mas que não tem capacidade de defender suas mulheres
e proteger suas turistas. Não é questão de discutir se a Copa do Mundo vai ser
boa ou não para o País. A questão é que não temos a mínima condição de sediar
este evento e mesmo assim teremos de engoli-lo. Se eu fosse turista jamais
viria para cá, depois do que aconteceu com a norte-americana e do que acontece
com uma brasileira a cada 12 segundos, conforme o jornal O Dia.
A
igualdade feminina aconteceu apenas em setores onde isso não incomoda demais
aos homens. Porque no campo sexual, a dominação masculina ainda é uma dura realidade.
E os números alarmantes dos casos de estupros no País demonstram isso. Existe
um número crescente de homens dispostos a conseguir pela força, aquilo que são
incapazes de conquistar pelo mérito. Lamentável demais.
Assistindo
ao depoimento da colega jornalista que recebeu um tiro de bala de borracha, de
um policial em São Paulo, enquanto cobria os protestos, fiquei pensando no quanto existem homens covardes em
nosso País. Ela disse que jamais imaginava que ele fosse atirar, por ela ser
mulher e não estar representando perigo. Se eu pudesse dizer alguma coisa a
ela, seria: “amiga, ele atirou justamente porque você é mulher!”. Atrás de uma farda, com uma arma na mão e sem
se sentir ameaçado é muito fácil ser machão. O mesmo serve para esses monstros
estupradores: é fácil ser viril segurando um revólver e subjugando a vítima.
Difícil mesmo é ser homem de verdade e merecer a disponibilidade sexual de uma
companheira.
Meu
protesto particular não é pelos R$0,20. É pelas minhas leitoras, pela minha
filha, pela minha mãe, irmã, avó, tias, primas, amigas, vizinhas, conterrâneas.
Não tem ninguém, de nenhum dos três poderes, olhando por nós. O que mais precisa
acontecer para que este País tenha leis mais severas para o estupro, como a castração
química, por exemplo? Sinceramente, tenho medo dessa resposta.