quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Entre o amor e o corpo

Quando você deseja preparar um jantar especial ou aquele almoço familiar de domingo, vai ao açougue e pede mais ou menos assim: “vê dois quilos de filé, por favor”; ou então “um peito de frango sem osso, por gentileza”. E assim por diante, cada um com suas preferências. Mas você por acaso, algum dia, já imaginou chegar em uma loja e pedir assim, com esta facilidade, as partes do corpo que você gostaria de substituir?
Me vê 60 centímetros de cintura, por favor”; ou quem sabe “eu quero um nariz bem fininho, por gentileza”; ou ainda “embala pra mim duas pernas bem longas, mas tira a gordura antes de pesar hein!”. Parece loucura não é? Só que de certa forma, a metáfora é bem real em nossos dias.
Não estou me referindo a cirurgias plásticas. Nem à imensidão de novas tecnologias para corrigir os “defeitinhos” do corpo. Estou falando de como transformamos nosso corpo em bem de consumo e de como chegamos a tratá-lo como barganha de feira, como faziam os antigos mercenários.
A História nos mostra que a padronização da beleza não é recente, sempre existiu. Os modelos de referência é que foram mudando. Ser magra, inclusive, já foi sinônimo de ser doente ou incapaz para a maternidade. Bonitas mesmo eram as mulheres que tinham um corpo largo, apropriado para acomodar bem os bebês. Já hoje...
E por causa destas mudanças que não são bruscas, mas que sutilmente vão delineando uma nova sociedade, cada vez mais mercantilizada e voltada para o consumo, criou-se uma nova geração de mulheres, que supervaloriza o corpo em detrimento de quaisquer outros valores ou sentimentos. Isso não quer dizer que elas estejam mais saudáveis. Talvez uma boa parte sim, mas na grande maioria dos países, percebe-se um aumento desenfreado da obesidade – mostrando que a preocupação com o corpo permeia apenas o nível filosofal.
E já que estamos falando em peso, coloque na balança o tamanho da frustração que isso causa: a mídia grita cada dia mais alto que ser magra é ser bonita, é ser saudável, é ser aceita, é ser desejada, é deixar de ser solitária. E por outro lado a sociedade de consumo cria novas necessidades de cardápio mais rápido, mais prático, mais confortável e de calorias mais e mais vazias. Que disputa não?
No meio dessa guerra existem mulheres neuróticas, que lamentam o sobrepeso devorando uma caixa de bombons, ou que comemoram a perda de 300g indo ao fast-food mais próximo. E pior do que isso: que aprenderam e ensinam que o tamanho da felicidade é diretamente proporcional ao tamanho das medidas.
Para provar que meu raciocínio não é apenas uma crítica ao sistema, cito uma recente pesquisa do Max Planck Institute for Human Development na Alemanha, que mostrou dados deprimentes: as mulheres se dizem mais felizes estando magras do que num relacionamento.
O estudo monitorou 24 anos das vidas de mulheres alemãs (entre 1984 e 2008) e descobriu que mais mulheres estavam felizes por estarem no peso que julgavam adequado, do que por ter um relacionamento estável. Estar acima do peso, por outro lado, foi considerado mais deprimente e excludente do que ser solteira.
Nada de novo para nós, mulheres tupiniquins não é? Todo mundo sabe, mas quase ninguém fala, que as mulheres só acreditam em felicidade no amor quando estão dentro de uns jeans tamanho 38. A partir daí tudo se torna incerto e o chocolate se mostra o melhor parceiro possível.
Claro que a saúde física tem reflexos na vida emocional e vice-versa. Claro que estar magro é fisiologicamente melhor do estar acima do peso. Claro que esse é o ideal para se ter qualidade de vida e que isso influencia também na qualidade dos relacionamentos. Mas coisificar o corpo a ponto de que seu status quo seja mais importante do que a felicidade dos seus relacionamentos é um nível absurdo de alienação, que futuramente cobrará suas reservas numa sociedade cada vez mais individualista e solitária.
Se você acha que anda se enquadrando na pesquisa é hora de parar, repensar suas escolhas e rever seu conceito de felicidade. Porque este corpo que abriga você, mais cedo ou mais tarde vai te deixar na mão. Mas as pessoas que você amar e que te amarem durante a vida estarão lá e serão a única coisa que realmente importa.