terça-feira, 11 de maio de 2010

Antes que seja tarde


Imagine a vida doméstica antes da revolução industrial. Você sentada na sala, bordando uma linda toalha de mão, vestindo uma longa saia, com as crianças aos pés, ensinando quadrinhas e cantigas de roda. Monótono não?
Agora pense na sua vida diária hoje, em pleno século XXI, onde não só foram abolidas as saias longas, os bordados e as cantigas de roda, mas principalmente a presença dos pais na vida dos filhos. Um salto, uma mudança abrupta, um progresso cujo preço incomensurável é medido pelas estatísticas da violência e do abuso infantil.
Não podemos mais pensar em uma família que desempenhe os mesmos papéis do passado, quando os homens sustentavam a casa e as mulheres cuidavam dos filhos. As coisas mudaram, as mentes mudaram. O mundo mudou. Mas não podemos mais admitir que as crianças sejam sacrificadas pela necessidade que seus pais têm de sobreviver e até um pouco mais do que isso: de consumir.
Mas é exatamente isso que temos feito com as crianças. Deixamos estas folhas de papel em branco à mercê de qualquer tipo de tinta. E as histórias que se escreve nem sempre tem sido as mais belas e com finais felizes, como nos contos de fadas, que há muito não se conta mais.
De acordo com a Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância, de hora em hora no Brasil morre uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais ou parentes próximos. 12% das 55,6 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas anualmente de alguma forma de violência doméstica. Ou seja, por ano são 6,6 milhões de crianças agredidas, dando uma média de 18 mil crianças vitimizadas por dia, ou 750 crianças vitimizadas por hora ou ainda, 12 crianças agredidas por minuto.
Quando essa violência ocorre dentro de casa, por um dos pais ou responsáveis ou pelos dois é um problema social, uma chaga que precisa ser curada. Geralmente esse mal atinge as classes mais baixas da sociedade e está relacionado ao alcoolismo, ao desemprego e a um grande número de pessoas ocupando um mesmo cômodo da casa.
Porém, quando a criança é agredida ou abusada fora de casa é porque não estão prestando atenção em sua vida, nos lugares aonde vai, com quem anda e se está ou não segura. Muitos pais permitem que seus filhos sumam por algumas horas para ter um descanso. Mas basta uma hora para a tragédia acontecer e mudar completamente a vida dos envolvidos.
Diante de tantas notícias de atrocidades cometidas por pessoas doentes, não podemos ignorar a responsabilidade que recai sobre quem detém a guarda de uma criança. Não podemos nos dar ao luxo de sermos ingênuos em relação ao ser humano e confiar as crianças a pessoas que muitas vezes, nem mesmo conhecemos profundamente.
Gostaria de viver em um mundo onde fosse possível pedir ao vizinho que olhasse as crianças para uma rápida ida ao supermercado ou onde se pudesse permitir que as crianças brincassem livremente na rua ou voltassem para casa sozinhas depois da escola. Mas essa utopia tem levado milhares de pequenos inocentes a conhecer as agruras de uma vida adulta muito antes de ter idade para isso.
Fico angustiada quando assisto a um noticiário que mostra uma destas situações em que crianças foram abusadas e os pais afirmam que jamais poderiam imaginar que aquela pessoa fosse capaz de fazer isso. Não posso admitir que uma pessoa conceba filhos que não irá proteger e pelos quais não poderá zelar, escondendo-se atrás de uma pretensa ingenuidade. Se você não é capaz de pressentir o perigo atrás de um sorriso ligeiramente generoso, não arrisque. Nestes casos, prefira pecar pelo excesso a ter que conviver eternamente com a culpa de não ter cumprido sua parte.
Todos os anos meu pai doa uma sacola de alimentos e brinquedos para a mesma família carente no Natal. Eles moram em uma casa realmente precária, há frestas nas paredes e as condições não são as mais favoráveis. Mas a cada ano as crianças parecem mais saudáveis e felizes, porque a mãe está sempre por perto, evitando que cresçam nas ruas, sendo alvos fáceis para criminosos. Faltam roupas de marca, videogames e quartos temáticos, mas sobra tempo para ser criança, em toda a essência da palavra. E são estes paradoxos que nos fazem pensar sobre o que é de fato importante para uma criança. Tenho certeza de que elas preferem os pais em casa, cuidando de sua integridade, do que sempre trabalhando, para pagar os melhores brinquedos e as escolas mais caras.
É preciso cada dia mais conversar com as crianças, envolvê-las num círculo de confiança e afeto, pois isso vai evitar que elas sejam enganadas por falsas promessas de carinho. É preciso diminuir o ritmo frenético das atividades diárias e parar de delegar a outros a tarefa que é única e exclusivamente dos pais ou responsáveis: a de amar e proteger os filhos. Isso nem deveria ser tão difícil assim.

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