Outro
dia uma amiga me questionou: “por que você não escreve mais sobre o amor?”. E ela
não quis dizer mais, no sentido de quantidade, mas no sentido de que faz algum
tempo que não falo sobre isso. Respondi: “acho o amor um assunto delicado”.
Então vou falar um pouco sobre a paixão, que é menos complexa, mas não menos
importante.
Tenho outra amiga, esta de longa data, que não consegue emplacar um relacionamento. Namora, namora, namora, mas quando a coisa vai ficando séria, o relacionamento não dá certo. Já disse para ela se tratar. Ela sofre de um mal muito comum, quase tão comum como se tornou em nossos dias, o uso de drogas: ela é viciada em paixão! Os relacionamentos dela duram enquanto dura o efeito entorpecente da paixão. Quando a fissura acaba, ela vai em busca de mais uma dose. E isso é trágico.
A paixão
é responsável por aqueles calafrios todos que a gente sente, pelas noites mal
dormidas, pelos sonhos de olhos abertos, pelos sorrisos sem motivo aparente, pelas
horas que se perde em frente ao guarda-roupa, escolhendo alguma coisa para
vestir num encontro. E por si só, isso não é ruim. Movimenta a vida, motiva a
mudança, faz bem para o corpo e para a mente. O problema é quando não passa
disso, quando não se avança para a próxima etapa.
O renomado
psiquiatra Cesar Vasconcellos de Souza, no artigo “A emoção não é o amor”, diz
que “a paixão emocional esconde da pessoa as dificuldades que ela tem, porque
mantém o indivíduo num êxtase, semelhante ao efeito de uma droga. Naquela hora
é tudo ‘paz e amor’. Quando acaba o efeito fica cinza, como um dia nublado.
Então, é o momento de se lidar com a realidade, a dor, a limitação, a
frustração, a necessidade de mudança interior que a droga e a paixão só
prometem, mas não fazem”. Forte não?
Isso
não quer dizer que a paixão seja ruim. Ela é necessária. Sem ela não há o
encantamento que aproxima as pessoas. Seria mais fácil se a gente pudesse
escolher num catálogo, alguém com as características que procuramos, mas, seria
tão belo quanto se apaixonar sem razão óbvia? A paixão nos faz admirar a
pessoa, com uma admiração que precisa ser sempre recordada, depois que ela
passar, para que a gente nunca se esqueça de por que se apaixonou.
A paixão
em si não é ruim, o que não dá para fazer é querer viver de paixão. É querer
basear uma escolha tão importante, quanto a de um casamento, por exemplo, num sentimento
tão turbulento quanto a paixão. Em algum
momento é preciso decidir amar e levar esta decisão adiante, mesmo quando as coisas
vão mal, mesmo quando a pessoa tem defeitos, mesmo quando o barco parece estar
afundando. A paixão não dá conta disso tudo, mas o amor verdadeiro, este dá
sim.
E os
casais felizes, aqueles que envelhecem juntos e que a gente acha tão lindo ver
de mãos dadas por aí, são aqueles que decidiram continuar apaixonados pela
pessoa que escolheram amar. Provavelmente, não se vai mais morrer de palpitação
ou bambear as pernas, depois de uns 30 ou 40 anos de casados, mas nos pequenos
gestos dá para incluir doses homeopáticas de paixão, que serão indispensáveis
para tornar o relacionamento, além de duradouro, feliz.
Então,
se a paixão é uma droga da qual não podemos fugir, que sejamos sábios para
administrá-la de maneira consciente. Para utilizá-la a nosso favor. Para reduzirmos
as doses de maneira paulatina e assim, termos a chance de ver claramente, quem
estamos decidindo amar. Que a paixão nos motive a conhecer as pessoas
verdadeiramente, além do que elas aparentam ser ou do que podemos sentir. Porque
a real beleza das pessoas, aquela que é verdadeira e que importa mesmo, só se consegue
ver de olhos bem abertos.
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