terça-feira, 15 de julho de 2014

Planejamento amoroso ou a metáfora do melão

  Ah a vida, essa danada. Um dia a gente acorda e planeja tudo, como se viver fosse tão simples quanto fazer a lista do supermercado. No outro, a gente percebe que já está vivendo e que o planejamento nem sempre ou quase nunca sai do papel.
 É bom planejar, aliás, é fundamental. Tudo o que é planejado previamente é melhor executado. Funciona bem com as férias, com o orçamento, com a construção da casa e até no controle neonatal, embora muitas vezes, esse também falhe. Mas não funciona muito bem no campo amoroso.
  Não significa que sou a favor da bagunça amorosa. Longe disso! Acho importante que cada pessoa tenha em mente o que quer de um relacionamento, que tipo de pessoa procura, que valores são importantes encontrar no outro. Só que nem sempre as coisas acontecem como a gente planeja. A casinha cor-de-rosa com cerquinha branca, um cachorro no quintal e uma fumacinha saindo da chaminé, às vezes é um quartinho nos fundos na casa da sogra. Não é o ideal, mas é o real.
  Muitas vezes você tem a vida toda organizada na sua lista imaginária de como ela deveria ser: vou crescer, estudar, me formar, trabalhar, comprar uma casa, um carro, fazer uma viagem pela Europa e um clareamento dental. Depois disso vou estar no supermercado fazendo compras, na sessão das frutas e, quando eu pegar o melão, alguém vai fazer o mesmo gesto, vamos tocá-lo juntos, nossos olhares vão se cruzar, vamos tomar um sorvete, nos apresentar aos pais, namorar por dois anos, noivar por seis meses e casar numa capelinha, em algum vale ou colina por aí. Seria perfeito não é?
   Algumas vezes dá certo. Tem gente que segue o planejamento à risca e é feliz. Mas nem sempre é assim. A vida tem a estranha mania de jogar baldes de água gelada nos nossos sonhos e a gente tem que contornar as curvas do caminho e achar um jeito de fazer dar certo, mesmo que esteja fora do plano. De abraçar as oportunidades quando elas aparecem, em vez de desperdiçar tempo tentando encaixar os acontecimentos na nossa listinha de “meu mundo seria perfeito se”.
  Não me deixam mentir todas as pessoas que disseram “eu nunca”. “Eu nunca mais vou me apaixonar”; “eu nunca vou namorar antes de”; “eu nunca me casaria com”; “eu jamais vou abrir mão de”. A maioria delas teve que engolir as próprias palavras e geralmente, fez isso com o maior prazer. A gente até planeja não se apaixonar antes de, até que ou ainda que, mas aí... Nem sempre dá para prever quando Deus vai dizer: “vai lá filha (o) chegou a sua vez, se joga”.
  E se jogar não quer dizer que você precisa ignorar os planos e rasgar as listas. O amor é ponderado e tem boa dose de racionalidade. Me nego a confundir amor com paixão desmedida, em que você não consegue enxergar o barco furado em que está entrando sem remos. Se jogar é permitir, por exemplo, que uma pessoa especial se torne um bom amigo e que esse bom amigo se torne um amor, mesmo que o momento não seja aquele que você tinha catalogado na estante da sua efêmera existência. Sim, a vida passa rápido demais pra gente viver esperando a hora certa, a estação certa, o clima certo, o cenário perfeito.
  Quando der para encaixar as oportunidades nos planos que você tinha traçado, ótimo, faça isso. Quando não der, arrisque. Todo mundo que construiu um relacionamento saudável e duradouro, em algum momento não teve certeza. Em algum momento pensou que era bom demais para ser verdade. Em algum momento trocou o “não sei se estou pronto” pelo “não custa tentar”. E de fato as coisas são mais simples do que a gente imagina. A gente complica quando quer impedir que as coisas aconteçam naturalmente, só porque isso, às vezes, sai do combinado.
 Faça uma lista das suas prioridades. Do que você deseja na vida. Dos planos que você quer concretizar. Seja organizada (o), sensata (o) e cautelosa (o). Mas se no meio do percurso aparecer alguém que bagunce um pouco a sua lista, seja corajosa (o) o suficiente para abrir mão das suas certezas preconcebidas e se permitir sonhar novos sonhos e traçar novas rotas, juntos. O que não dá pra fazer é ficar parada (o) a vida toda na sessão de frutas, apalpando melões. 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Violência não, compaixão

Como sempre faço quando eclodem assuntos polêmicos, esperei alguns dias para comentar a questão levantada pela pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre mulheres merecerem ser violentadas, em função da roupa que usam. Ainda bem que esperei, porque o IPEA teve que voltar atrás e admitir que os números estavam errados. Na verdade, as pessoas que acham que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” equivalem a 26% dos brasileiros.
Existem aí, implícitas, pelo menos duas questões importantes e opostas. A primeira é que o número de 26% também é alto e preocupante. O estupro jamais é culpa da vítima, não importa em que situação tenha ocorrido. Até porque, se pararmos para analisar as notícias referentes ao tema, veremos que a maioria das vítimas não estava em uma festa, com roupas curtas, justas ou decotadas (caso os 26% tivessem razão) e nem em situações que pudessem, hipoteticamente, sugerir que estivessem provocando o ataque. A mesma pesquisa indica que mais de 50% das vítimas têm menos de 13 anos de idade. Não, essas meninas e mulheres não causam o estupro, não podemos aceitar os 26%, nem 10%, nem 0,5%. Essa mentalidade machista e discriminatória precisa mudar.
A outra questão que considero totalmente diversa aos dados da pesquisa é que mulheres que se vestem mostrando o corpo não merecem ser violentadas e sim, merecem compaixão. Compaixão? Sim, pena mesmo. Acho feio, acho desnecessário, acho imoral, acho vulgar e acho inapropriado. Mas não, de fato, elas não merecem  ser estupradas.
E minha opinião sobre a decência para se vestir não é falso moralismo ou fundamentalismo religioso. Se você pensa assim, dê uma olhada nos programas de moda da tevê, só para exemplificar. Todos eles, sem exceção, ensinam as mulheres a se vestir com elegância, sem mostrar demais. Esquadrão da Moda (na tevê aberta), What not to wear, Mude meu Look, Laboratório de Estilo, 10 anos mais jovem (na tevê paga) entre outros, todos eles falam sobre a sensualidade do esconder, ao invés de mostrar.
Existe uma mentalidade muito atual que é, em parte, fruto do sistema capitalista, que explora a imagem da mulher e do sexo deliberadamente, apenas para gerar lucro. Essa mentalidade é alimentada pelo pensamento hedonista de que qualquer coisa que nos dê prazer não deve ser proibida e nem refreada. Cada vez mais cedo, as pessoas são instruídas a acreditar na falácia de que “qualquer coisa que me deixa feliz e me faz bem é correta”. Sim, é uma falácia porque isso não é verdade, na maior parte das vezes. A droga, dizem, tem um efeito extremamente prazeroso. Nem por isso faz bem. Pode deixar feliz por alguns minutos, mas o final de quem toma esse caminho, geralmente é desastroso.
Se continuarmos seguindo a linha de raciocínio de que “tudo que é bonito é pra se mostrar” e “se é bom e eu gosto, não é errado”, então vamos acabar caindo em uma desgraça total como humanidade. Porque os pedófilos também acham que se lhes dá prazer, então tudo bem violentar crianças. Os assassinos a sangue frio também têm suas justificativas, sejam tão insanas quanto forem. Homens-bomba creem piamente que os fins justificam os meios. As regras de conduta social, moral, civil e religiosa existem para proteger as pessoas do que elas seriam capazes de fazer se o que dominasse o ser  humano fosse unicamente sua necessidade de sentir prazer.
Um bom exemplo de como seria se isso acontecesse é o tal BBB. Não assisti a nenhum episódio do bizarro programa, mas nem é preciso. A propaganda é tão difundida que é possível saber o que acontece, sem ligar a televisão. Hoje estava pesquisando para escrever e descobri que a vencedora da última edição teve um caso, durante o programa, com uma stripper virtual que é casada e tem um filho de dois anos. E ela também afirmou que não sabia se elas continuariam juntas ou se formariam um triângulo amoroso com o marido da outra. Além disso tudo, passaram a maior parte do programa seminuas, segundo as notícias de diversos sites de entretenimento.
O corpo é dela, ela pode mesmo fazer o que quiser.  Mas e o garotinho de dois anos? É normal, natural e saudável para uma criança crescer com uma mãe que ganha dinheiro mostrando o corpo e traindo o pai em rede nacional, para que milhões de pessoas tenham seu entretenimento garantido? Desculpe, não consigo encarar dessa forma, me apedrejem!
De qualquer forma, reforço que nem mesmo este comportamento repulsivo é merecedor de qualquer tipo de violência. Ninguém merece a violência devastadora de um estupro. O que as pessoas precisam, tanto as de pouca roupa e nenhum senso de ridículo e as de muita roupa e nenhuma empatia é de compaixão. Compaixão é um adorno que cai bem com qualquer roupa.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Tire esse monstro do seu armário

As pessoas têm medo da solidão. As mulheres, especialmente. Muitas delas se submetem a situações de desprezo, abuso, violência, indiferença ou desrespeito, simplesmente para ter uma companhia. São adeptas inveteradas do “antes mal acompanhada do que só”.
Obviamente não dá para ser hipócrita e dizer que é sempre maravilhoso estar só. Muitas coisas ficam mais interessantes quando se está acompanhada. Aliás, a felicidade está atrelada, em parte, ao coletivo. Basta lembrar os almoços em família, com aquela mesa rodeada de primos, tios, cunhados, vizinhos e agregados e de como eles permanecem na nossa lembrança da infância à velhice. A coletividade é importante para a nossa sanidade mental e para o desenvolvimento de valores como altruísmo e empatia.
O que não dá para fazer é prender-se a relacionamentos que só trazem sofrimento, apenas para não sentir solidão. Neste caso, é melhor estar só e aprender a ser feliz assim, do que aceitar a morte lenta que vem de um amor bandido.
Aprender a apreciar a própria companhia é uma arte. Isso é consenso no mundo da psicologia. Mas o quanto isso é real para você? Entre estar em um relacionamento ruim, mas que proporcione algum tipo de presença e estar só, mas manter a integridade física e emocional, qual dos dois você escolhe, de verdade?
Segundo uma pesquisa do Euromonitor International entre 1996 e 2011, o número de pessoas que moram sozinhas no mundo teve um aumento de 80%. No Brasil, conforme dados do último censo do IBGE, este número chega a quase 7 milhões de pessoas, ou 12,2% das pessoas que possuem domicílios particulares. Isso é bastante gente, não é?
Mesmo com dados tão expressivos, a solidão continua sendo o monstro de muitos armários por aí. É gente que tem medo do próprio eco. É gente que não sabe ser feliz se não puder reclamar de um tubo de creme dental mal espremido.
Claro: você não precisa sair sorrindo por aí porque está sozinha. Se isso não a faz feliz, mesmo, então busque uma companhia saudável e que no fim das contas, some alguma coisa à sua existência e vice-versa. Mas não faça de você mesma a vilã da história, como se passar um tempo na própria presença fosse o fundo do poço. Não se compare aos que estão bem- acompanhados e felizes, mas sim, aos que mesmo dividindo a vida com alguém, seguem amargurados. Aí você vai ver vantagem.
Pense em como é prazeroso não precisar dividir o controle remoto, não encontrar pelos no sabonete, não dar satisfação de horários, não ter obrigatoriamente, que fazer aquele serviço que pode ser protelado, não precisar discutir a relação, não ter que postar fotos diárias em suas redes sociais com cara de "olha como somos extraordinariamente felizes". 
Pense nos livros que pode ler sem interrupções, nos programas que pode assistir sem questionamentos, nos jantares com amigos que poderá desfrutar sem cobranças. Não se detenha pensando nos beijos e abraços, nos diálogos noite adentro, nos pés quentinhos no inverno e na resposta rápida quando precisar de ajuda. Foque nos benefícios e será muito mais interessante curtir um pouco da própria companhia.
Enquanto o monstro da solidão for inquilino no seu armário, dificilmente você estará pronta para um relacionamento maduro e saudável. A lente da solidão embaça o senso crítico e transforma qualquer sapo em príncipe encantado, rapidinho.  Pense nisso.