quarta-feira, 9 de abril de 2014

Violência não, compaixão

Como sempre faço quando eclodem assuntos polêmicos, esperei alguns dias para comentar a questão levantada pela pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre mulheres merecerem ser violentadas, em função da roupa que usam. Ainda bem que esperei, porque o IPEA teve que voltar atrás e admitir que os números estavam errados. Na verdade, as pessoas que acham que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” equivalem a 26% dos brasileiros.
Existem aí, implícitas, pelo menos duas questões importantes e opostas. A primeira é que o número de 26% também é alto e preocupante. O estupro jamais é culpa da vítima, não importa em que situação tenha ocorrido. Até porque, se pararmos para analisar as notícias referentes ao tema, veremos que a maioria das vítimas não estava em uma festa, com roupas curtas, justas ou decotadas (caso os 26% tivessem razão) e nem em situações que pudessem, hipoteticamente, sugerir que estivessem provocando o ataque. A mesma pesquisa indica que mais de 50% das vítimas têm menos de 13 anos de idade. Não, essas meninas e mulheres não causam o estupro, não podemos aceitar os 26%, nem 10%, nem 0,5%. Essa mentalidade machista e discriminatória precisa mudar.
A outra questão que considero totalmente diversa aos dados da pesquisa é que mulheres que se vestem mostrando o corpo não merecem ser violentadas e sim, merecem compaixão. Compaixão? Sim, pena mesmo. Acho feio, acho desnecessário, acho imoral, acho vulgar e acho inapropriado. Mas não, de fato, elas não merecem  ser estupradas.
E minha opinião sobre a decência para se vestir não é falso moralismo ou fundamentalismo religioso. Se você pensa assim, dê uma olhada nos programas de moda da tevê, só para exemplificar. Todos eles, sem exceção, ensinam as mulheres a se vestir com elegância, sem mostrar demais. Esquadrão da Moda (na tevê aberta), What not to wear, Mude meu Look, Laboratório de Estilo, 10 anos mais jovem (na tevê paga) entre outros, todos eles falam sobre a sensualidade do esconder, ao invés de mostrar.
Existe uma mentalidade muito atual que é, em parte, fruto do sistema capitalista, que explora a imagem da mulher e do sexo deliberadamente, apenas para gerar lucro. Essa mentalidade é alimentada pelo pensamento hedonista de que qualquer coisa que nos dê prazer não deve ser proibida e nem refreada. Cada vez mais cedo, as pessoas são instruídas a acreditar na falácia de que “qualquer coisa que me deixa feliz e me faz bem é correta”. Sim, é uma falácia porque isso não é verdade, na maior parte das vezes. A droga, dizem, tem um efeito extremamente prazeroso. Nem por isso faz bem. Pode deixar feliz por alguns minutos, mas o final de quem toma esse caminho, geralmente é desastroso.
Se continuarmos seguindo a linha de raciocínio de que “tudo que é bonito é pra se mostrar” e “se é bom e eu gosto, não é errado”, então vamos acabar caindo em uma desgraça total como humanidade. Porque os pedófilos também acham que se lhes dá prazer, então tudo bem violentar crianças. Os assassinos a sangue frio também têm suas justificativas, sejam tão insanas quanto forem. Homens-bomba creem piamente que os fins justificam os meios. As regras de conduta social, moral, civil e religiosa existem para proteger as pessoas do que elas seriam capazes de fazer se o que dominasse o ser  humano fosse unicamente sua necessidade de sentir prazer.
Um bom exemplo de como seria se isso acontecesse é o tal BBB. Não assisti a nenhum episódio do bizarro programa, mas nem é preciso. A propaganda é tão difundida que é possível saber o que acontece, sem ligar a televisão. Hoje estava pesquisando para escrever e descobri que a vencedora da última edição teve um caso, durante o programa, com uma stripper virtual que é casada e tem um filho de dois anos. E ela também afirmou que não sabia se elas continuariam juntas ou se formariam um triângulo amoroso com o marido da outra. Além disso tudo, passaram a maior parte do programa seminuas, segundo as notícias de diversos sites de entretenimento.
O corpo é dela, ela pode mesmo fazer o que quiser.  Mas e o garotinho de dois anos? É normal, natural e saudável para uma criança crescer com uma mãe que ganha dinheiro mostrando o corpo e traindo o pai em rede nacional, para que milhões de pessoas tenham seu entretenimento garantido? Desculpe, não consigo encarar dessa forma, me apedrejem!
De qualquer forma, reforço que nem mesmo este comportamento repulsivo é merecedor de qualquer tipo de violência. Ninguém merece a violência devastadora de um estupro. O que as pessoas precisam, tanto as de pouca roupa e nenhum senso de ridículo e as de muita roupa e nenhuma empatia é de compaixão. Compaixão é um adorno que cai bem com qualquer roupa.