segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Cisne Negro

Eu falo muito sobre filmes, mas não sou crítica de cinema, nem tenho a pretensão. Só que aprecio a sétima arte, quase um pouco mais do que as outras. E apesar de clichê, achei inevitável falar sobre Cisne Negro. A maioria dos filmes que são lançados durante um ano é apenas uma vírgula de entretenimento, em uma vida atribulada, mas Cisne Negro é uma tremenda pausa nessa regra. Cisne Negro é um enorme gancho de direita (sem alusão ao filme O Vencedor) em nossas convicções tão bem elaboradas sobre a vida.
Você já quis tanto alguma coisa, mas tanto, tanto, que ela conseguiu ebulir todo o resto de sua vida? Já apostou todas as suas fichas em algo sem o qual não imaginaria viver? Já depositou toda a sua confiança e devoção em um propósito, a ponto de ficar completamente fora do ar para qualquer coisa que não o envolvesse? Provavelmente sim. Talvez não com essa intensidade visceral, mas se está lendo, certamente lembrou-se de uma ocasião destas.
E se a resposta for realmente positiva, então você se identificou com o filme. Nina ficou tão focada em fazer um cisne negro perfeito para sua performance como bailarina na apresentação de Lago dos Cisnes, que em determinado momento achou que tinha se transformado em um. Quando as pernas dela se quebram, imaginariamente, no contexto de um surto psicótico, ficando arcadas como a de um cisne, você entende perfeitamente porque o Oscar de melhor atriz tinha de ser de Natalie Portman. Ninguém jamais fará aquele olhar de pavor como ela.
Mas, voltando à questão principal, o preço que Nina pagou para chegar onde queria foi alto demais. Ela precisou destituir-se de qualquer valor que sobrepujasse a importância de seu alvo. Precisou lançar mão de qualquer artifício que pudesse ser útil para torná-la um cisne negro perfeito. Precisou deformar o seu corpo, seu caráter e toda a sua vida para moldá-la ao seu grande objetivo.
E então você deve estar pensando: “ah, não, nunca cheguei a tanto”. E nesse ponto preciso lembrá-la ou lembrá-lo, de que todo alcoolismo começa com o primeiro copo; toda bulimia começa com a primeira náusea; todo adultério começa com o primeiro pensamento; todo grande roubo começa com um pequeno peso de papel. São os pequenos atos compulsórios que levam aos grandes vícios, salvo raras exceções.
Quando o objetivo que pretende alcançar faz você sacrificar a maioria das coisas que são importantes na vida, então, por melhor que ele seja, provavelmente, não vale à pena. Existe uma linha muito tênue entre a determinação e a loucura, quando o que se pretende está vazio de valores reais e crenças positivas. E isso me leva ao caso clássico de Hitler, que cria na supremacia da raça ariana e por isso matou milhões de pessoas.
Metas e objetivos são extremamente valiosos para a organização da vida. Não dá para caminhar por aí sem um foco. Quando uma pessoa perde o sentido das coisas que faz, costuma ficar perdida. Mas colocar expectativa demais nos eventos da vida causa um imenso sofrimento. Porque o casamento pode acabar, o emprego pode ser perdido, a casa pode desmoronar, o amigo pode trair, o exame pode dar positivo, a empresa pode falir, o sonho pode virar um pesadelo. E aí, se você apostou todas as suas fichas na mesma jogada, o chão vai sumir debaixo dos seus pés, o mundo vai desabar e todos os outros comparativos que se possa imaginar para a situação.
Claro que uma ruptura é sempre dolorosa. Só que ela não precisa ser desastrosa. Não precisa modificar a sua essência, mesmo que altere seu comportamento por um tempo. E esse equilíbrio só vai acontecer se você conseguir dosar o grau de determinação para realizar seus objetivos.
Deseje, creia, busque e aja, mas nunca permita que o seu desejo consuma você, no caminho para alcançá-lo. Existe uma diferença exponencial entre ser e parecer um cisne negro. Saiba identificá-la. Sua sanidade vale muito mais do que uma platéia aplaudindo em pé. Nisso, você pode apostar.

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